domingo, 8 de março de 2015
Texto de Maria Carolinna Camilo
Durante muito tempo nunca
havia me perguntado de onde vêm as datas comemorativas como o dia dos pais, das
mãe, dos namorados, das crianças, da mulher. Na minha opinião sempre foram
datas banalizadas por um sistema que visa apenas lucro em qualquer
oportunidade, datas comerciais, com o intuito de fazer as pessoas comprarem. Por
ser contra esse tipo de dia, e gostando muito de dar presentes, sempre fiz meus
próprios presentes, coisas feitas de coração, que realmente expressassem o meu
amor.
Desde os quatro anos, quando
eu entrei na escola, o dia da mulher significa pra mim um dia de ganhar cartões
elogiando minha feminilidade, com bombons e pirulitos, a parte que realmente
me interessava, e tinha que levar os mesmos cartões para minha mãe, cortesias da escola. Coisas do tipo:
Um belo dia, na internet, eu
me deparo com uma reportagem que contava sobre a história do Dia Internacional da
Mulher, algo parecido com esta:
“História do 8 de março
No Dia 8 de março de 1857, operárias
de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norte americana de Nova Iorque,
fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores
condições de trabalho, tais como, redução na carga diária de trabalho para dez
horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de
salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário
de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro
do ambiente de trabalho.
A manifestação foi reprimida com total
violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada.
Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano.
Porém, somente no ano de 1910, durante
uma conferência na Dinamarca, ficou decidido que o 8 de
março passaria a ser o "Dia Internacional da Mulher", em homenagem as
mulheres que morreram na fábrica em 1857. Mas somente no ano de 1975, através
de um decreto, a data foi oficializada pela ONU(Organização das Nações Unidas).”
E
então eu fiquei me perguntando, “PORQUE A MINHA ESCOLA, QUE COMEMORAVA ESSE DIA
TODOS OS ANOS E ME FAZIA FAZER COLAGENS E FLORES NA AULA DE ARTES, NUNCA ME
ENSINOU SOBRE O QUE REALMENTE SIGNIFICAVA ESTE DIA?”. CAPS LOCK para mostrar
a minha indignação. O dia da mulher é comemorado de forma muito equivocada,
nada desse dia representa mulheres que reivindicaram melhores condições de trabalho
e foram queimadas vivas. O que esse dia reforça é exatamente o contrário,
reforça o esteriótipo que as mulheres devem seguir, exemplo de feminilidade, “fragilidade”,
que defendem a família e são, ou querem ser, boas mães.
A
questão é que o Dia Internacional da Mulher se tornou uma boa maneira dos
homens pedirem “desculpas” as mulheres e tudo o que há de errado continuar como
está, porque o homem nesse dia sente total admiração pela mulher e passa a
impressão que elas são seres elevados e superiores. Entretanto, nos outros dias
do ano, eles podem continuar agredindo mulheres, estuprando-as, fazendo discursos de que a culpa é da mulher estuprada porque ela se veste como uma “vadia”,
porque no dia das mulheres eles admitiram como elas são especiais e lhe deram
flores e bombons. O homem faz isso o tempo todo, faz as mulheres se sentirem
especiais para diminuir a diferença entre eles. É muito mais fácil pra um pai
ou um namorado dizer: “Onde você acha que vai vestida
assim?”, se ele faz a mulher acreditar que na verdade ele diz isso
porque quer cuidar dela, e porque ela é especial para ele, em vez de admitir que ele quer mandar nela e torná-la submissa. Mesmo as empresas, elas entregam
bombons e flores à todas as funcionarias, para que elas se sintam especiais e
queridas, e se esqueçam que ganham menos nas mesmas funções que os homens, ou
que elas nunca vão chegar ao cargo de chefia se disputarem com um homem, ou que
elas temem a maternidade durante o resto do ano, porque vejam, seu valor é
reconhecido, ganham muitas vezes até cestas dos chefes.
Simone de Beauvoir em seu livro “O segundo sexo, fatos e mitos”,
coloca muito bem isso quando fala da alteridade da mulher. Os homens utilizam
de maneira sutil a alteridade da mulher como uma vantagem. “Nenhuma
coletividade se define nunca com Uma sem colocar imediatamente a Outra diante
de si.” (BEAUVOIR, Simone, 1970). E como é essa alteridade da mulher? Ela à
descreve como sendo “Outro”, porque as mulheres na história nunca foram
protagonistas, e por isso se refletem no homem em busca de cumplicidade.
“Em quase nenhum país, seu estatuto
legal é idêntico ao do homem e muitas vezes este último a prejudica consideravelmente.
Mesmo quando os direitos lhe são abstratamente reconhecidos, um longo hábito impede
que encontrem nos costumes sua expressão concreta. Economicamente, homens e
mulheres constituem como que duas castas; em igualdade de condições, os
primeiros têm situações mais vantajosas, salários mais altos, maiores
possibilidades de êxito que suas concorrentes recém-chegadas. Ocupam na
indústria, na política etc, maior número de lugares e os postos mais
importantes. Além dos podêres concretos que possuem, revestem-se de um
prestígio cuja tradição a educação da criança mantém: o presente envolve o
passado e no passado toda a história foi feita pelos homens. No momento em que
as mulheres começam a tomar parte na elaboração do mundo, esse mundo é ainda um
mundo que pertence aos homens.” (BEAUVOIR, Simone,
1970)
Simone vai dizer ainda, que essa cumplicidade
com a “casta superior”, lhe confere vantagens de maneira mais fácil, e por isso
ela aceita ser o Outro e nunca o Sujeito.
“Efetivamente, ao lado da pretensão de todo
indivíduo de se afirmar como sujeito, que é uma pretensão ética, há também a
tentação de fugir de sua liberdade e de constituir-se em coisa. É um caminho
nefasto porque passivo, alienado, perdido, e então esse indivduo é presa de
vontades estranhas, cortado de sua transcendência, frustrado de todo valor.” (BEAUVOIR, Simone, 1970)
Acredito
que seja por causa da nossa alteridade que nós aceitamos e achamos lindo
as homenagens de flores, palavras e bombons, em vez de exigir respeito e
igualdade plena. Indivíduos mantidos em situações inferiores, acabam se tornando
de fato inferiores, “ser é ter-se tornado, é ter sido feito tal qual se
manifesta”.
“Há muitas outras maneiras mais sutis
mediante as quais os homens tiram proveito da alteridade da mulher. Para todos
os que sofrem de complexo de inferioridade, há nisso um linimento milagroso:
ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso
do que o homem que duvida de sua virilidade. Os que não se intimidam com seus
semelhantes mostram-se também muito mais dispostos a reconhecer na mulher um
semelhante. Mesmo a esses, entretanto, o mito da Mulher, o Outro, é caro
por muitas razões(2); não há como censurá-los por não sacrificarem de bom grado
todas as vantagens que tiram disso; sabem o que perdem, renunciando à mulher
tal qual a sonham, ignoram o que lhe trará a mulher tal qual ela será amanhã. É
preciso muita abnegação para se recusar a apresentar-se como o Sujeito único e
absoluto.” (BEAUVOIR, Simone, 1970)
O Dia
Internacional da Mulher, mesmo sem ser citado, é muito bem explicado pela
Simone de Beauvoir, principalmente nesta passagem:
“O homem pode, pois, persuadir-se de que não
existe mais hierarquia social entre os sexos e de que, grosso modo, através
das diferenças, a mulher é sua igual. Como observa, entretanto, algumas
inferioridades — das quais a mais importante é a incapacidade profissional — êle
as atribui à natureza. Quando tem para com a mulher uma atitude de colaboração
e benevolência, êle tematiza o princípio da igualdade abstrata; e a desigualdade
concreta que verifica, não a põe. Mas, logo que entra em conflito com a
mulher, a situação se inverte: êle tematiza a desigualdade concreta e dela tira
autoridade para negar a igualdade abstrata. “(BEAUVOIR,
Simone, 1970)
Então, vejam à seguir
o que realmente representa o Dia Internacional da Mulher:
Li um post muito bom no facebook, leiam e entendam o que realmente
deveria significar o dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher (click na imagem):
LEIAM TAMBÉM:
- O Dia da Mulher não é homenagem bonitinha
- Uma homenagem do machismo ao Dia Internacional da Mulher
- Os direitos da mulher estão ameaçados no Congresso
- As 10 notícias que ainda não veremos no Dia da Mulher
_____________________________________________________
BIBLIOGRAFIA
BEAUVOIR, Simone – O Segundo Sexo – Volume II – Fatos e Mitos, 1970.
História do Dia Internacional da Mulher - site Sua Pesquisa. Disponível em:
http://www.suapesquisa.com/dia_internacional_da_mulher.htm
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