quinta-feira, 19 de março de 2015
Texto de Bruna Corrêa
Não tenho vergonha de admitir que tenho muitos vícios – eles foram se acumulando com os anos e de alguns não consigo me livrar. Dentre esses, o que me ocupa mais tempo de vida útil é definitivamente o vício por cultura e conhecimento pop – poucas coisas me dão mais prazer que ficar horas olhando sites de conteúdo aparentemente inútil.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhnFgJ6JaUtSIKEYnq55weB27Vtrh3aI9hhfJkNa_OYqZsu6tSNPBZ3rPT7oDZsdO1b4w1RqQZPc0SJJf3aUBBI7lFziMwDUXsFK8JjhE-O7xeFI2XZh7vXtv80dbnrkKuCuKCtYKJbUr8/s1600/sw.jpg)
Depois de tanta polêmica, foi
um espanto descobrir que eu não achava nada “demais” nessa capa especial.
Pensando um pouco mais, cheguei à conclusão que o problema não era exatamente
eu – e sim os anos de exposição à esse tipo de material nas HQs e desenhos de
quadrinhos dos estúdios Marvel e DC Comics.
Uma
perspectiva histórica
Em 1941, algo importantíssimo
acontecia no mercado editorial: o psicólogo William Moulton Marston (9 de Maio,1893 – 2 de Maio, 1947) criava a Mulher-Maravilha, primeira super-heroína
a aparecer em um quadrinho da DC Comics. Inovador a princípio, o conceito logo
se provou uma falácia – ela era ali mero fantoche e motivo de desejo e
incitação para os homens.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnFRbjOUr-KjzVLqBmXGWfGvwB_RM5_w7agGFpA51XCqkmLORd-4ZfT9xH_qo2LNS9-Zu4OtsQ4-ghP6c78HadcDv86aFZxBtxmaas1NM0l3OVmVCbn9E93ma30awuIoqXvBvbWeeNtj4/s1600/ww.jpg)
Os tempos
mudaram e o pensamento da população foi lentamente se adaptando. No entanto, os
quadrinhos continuaram com a mesma ideia de objetificação da mulher: super-heroínas
com corpos impossivelmente maravilhosos, em poses dificilmente aplicáveis
(Brokeback
é o termo utilizado para esse tipo de posição onde se "quebra" a coluna da personagem para mostrar tanto os seios quanto a sua bunda. Para mais exemplos, clique
aqui).
Adriana Melo, famosa colorista brasileira, comenta e traz um
questionamento importante: “A desculpa dos editores é
dizer que o público foco dessas HQs são homens, pois eles são os maiores
consumidores de quadrinhos. Será que isso é verdade?”. Pois bem, não é verdade,
felizmente. De acordo com pesquisas, 46,7% dos leitores de HQs nos Estados
Unidos são constituídos de mulheres.
No entanto, até elas preferem os quadrinhos masculinos. Dificilmente uma mulher da
nossa geração vai ter desejo de ler algo que torna uma mulher burra e submissa,
além de totalmente fora da realidade. Pensando nisso, a DC deu um reboot em
seus quadrinhos: com os “Novos 52”, a editora conseguiu revitalizar a
personagem Batgirl, e transformá-la em uma adolescente descolada com roupas não
sexualizadas. A Marvel ainda foi mais radical e mudou não só o estilo
extremamente sexual de algumas personagens (tipo a Capitã Marvel) como trocou
etnias (A Miss Marvel agora é muçulmana!).
As
Meninas Super Poderosas: O que elas têm a ver com a história?
O Diretório Acadêmico de
Relações Internacionais da PUC agora possui uma televisão com Netflix, ou seja,
é a perdição do pessoal. Alguns dias atrás eu estava lá conversando com os
meninos e nós tivemos a ideia de assistir The Powerpuff Girls (ou As Meninas
Super Poderosas, como preferir) e ficamos lá assistindo, até que chegou um
garoto e falou “É, esse desenho é o mais feminista que existe”. A partir do
comentário dele eu passei a prestar atenção e era realmente isso,
cada coisinha naquela animação passa a mensagem do feminismo.
Se você parar para pensar, a
Docinho, Florzinha e Lindinha são super heroínas extremamente capazes e fodas.
Elas têm poderes que vão da habilidade de correr na velocidade da luz à
capacidade de lançar raios pelos olhos, e não é o fato de elas serem menininhas
fofas que as diminuí em questão de super poderes. No quinto episódio da quarta
temporada elas chegam até a vencer, em uma competição, os integrantes da Liga
de Super Heróis - que é machista (e eles usam esse termo no desenho) e composta
só por homens “fortes e viris.
Me surpreende que um desenho
feito para crianças tenha conseguido passar em cerca de 7 anos de duração o que
mais de 60 anos de HQs não conseguiram atingir. Claro, há o argumento de que os
públicos são diferentes e portanto, o conteúdo jovem adulto, new adult e adulto
deve ser diferenciado e mais sensual. No entanto, Kelly Thompson, especialista
em hipersexualização de mulheres em quadrinhos, ressalta que: "É importante lembrar que a idealização da
forma não é o mesmo que a sexualização da forma. Algo pode ser idealizado sem
ser sexualizado”. Eu concordo com ela, e acho que as táticas no estilo Brokeback são extremamente exageradas.
Haverá pessoas que
vão refutar meus argumentos e falar que o papel das heroínas é de mesmo peso
que os dos heróis, e que eles também são objetificados. Por vários motivos que já
falei aqui, é fato que as mulheres são e foram prejudicadas e ainda continuarão
sendo por um bom tempo – mas é bom saber que medidas estão sendo tomadas para
que essa prática seja reduzida, e espero que num futuro próximo os escritores e
editores pensem num enredo cativante, e não em uma bunda e peitos duros.BIBLIOGRAFIA:
ABRÃAO, Jose. Precisamos falar sobre peitos e quadrinhos. Judão. Link: http://judao.com.br/precisamos-falar-sobre-peitos/#.VQuw4eGIWL0
HESSEL, Marcelo. Mulher-Aranha | Marvel se desculpa pela
capa de Milo Manara. Omelete. Link: http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/noticia/mulher-aranha-marvel-se-desculpa-pela-capa-de-milo-manara/
HUDSON, Laura. The Big Sexy Problem with Superheroines and
Their ‘Liberated Sexuality’. Comics
Alliance Link: http://comicsalliance.com/starfire-catwoman-sex-superheroine/
QUINN, Benn. Ker-pow! Women kick back against comic-book sexism. The Guardian. Link: http://www.theguardian.com/books/2011/dec/28/women-comic-book-sexism
RODRIGUES, Julia. Quadrinhos para quem? Revista Maçaneta. Link: http://www.revistamacaneta.com.br/conteudo/cultura-pop/quadrinhos-para-quem
THOMPSON, Kelly. She has no head – No, it’s not equal! Comic Book Resources. Link: http://goodcomics.comicbookresources.com/2012/02/21/she-has-no-head-no-its-not-equal/
Assinar:
Postar comentários
(Atom)
Arquivo do blog
-
2015
(47)
- novembro (6)
- outubro (6)
- setembro (6)
- maio (5)
- abril (12)
-
março
(9)
- A hipersexualização das super-heroínas: Da Marvel/...
- Ooohh de orgasmo: a construção social do prazer na...
- Hey baby, I want porn !
- As ondas de Maomé
- Quem são os “meninists”?
- Dia Internacional da Mulher
- Sambando ao ritmo da hipocrisia
- Miley Cyrus, Emma Watson e o tipo ideal de feminista
- Racismo, misoginia, cultura do estupro e a mídia b...
- fevereiro (3)
Tecnologia do Blogger.
Popular Post
-
Texto de Bruna Corrêa Não tenho vergonha de admitir que tenho muitos vícios – eles foram se acumulando com os anos e de alguns não...
-
Artur, em tapeçaria do séxulo XIV A minha maior paixão na vida é ler. E dos livros, dois gêneros são meus favoritos: o épico, e o ...
-
Texto de Nina Lavezzo de Carvalho. !!!SPOILER ALERT!!!! [Esse texto é um review - sob a perspectiva feminista - do filme Gone Girl (G...
-
Texto de Rafael Libaneo Escrever para uma página sobre o feminismo, acompanhado por colegas que escrevem de forma incrível é no mínimo a...
-
Texto de Nina Lavezzo de Carvalho Carnaval com muito samba; a arte do futebol nas veias; lindas mulatas dançando incansavelmente; praias...
-
Por Bruna Corrêa Recentemente, uma amiga querida minha me ligou e começou a contar de maneira muito revoltada sobre uma constante ...
-
Texto de Nina Lavezzo de Carvalho Cataratas de sangue jogando líquido vermelho para todos os lados: parece um filme do Tarantino, mas, qu...
-
Texto de Bruna Corrêa . Acho que depilação da virilha, de todos os assuntos relacionados ao corpo, é o mais polêmico....
-
Por Nina Lavezzo de Carvalho Pense em sexo. Pense em literatura. Tente ligar os dois em um único conceito. Got it! Kama Sutra. Acer...
-
Por Bruna Corrêa. Feministas e o curioso caso da modinha que dura mais de século A minha rede social favorita é o Twitter. Lá, ...
#Tags
abuso
abuso sexual
amor
bechdel test
blogs
Brasil
bunda
Butler
cinema
construção social
construção social.
cool girl
cultura
cultura do estupro
cultura pop
cultura.
David Fincher
Dia Internacional da Mulher
discriminação
draga queens
empoderamento das mulheres
esportes
estupro
feminazi
feminicídio
feminismo
Garota Exemplar
gays
gênero
gêneros
Gillian Flynn
globeleza
Gone Girl
gravidez
Hinduismo
história
homofobia
identidade brasileira
infância
internet
Kama Sutra
luta
machismo
meninas
meninists
menstruação
mídia
misoginia
movimento
mulata
mulher
mulher no cinema
mulheres
nação
notícia
objetificação
orgasmo
política externa
pop
prazer
preconceito
racismo
relacionamento abusivo
religião
reprodução
sexo
sexualidade
spoiler
surf
tabu
Temas de Luta
TPM
Tradição
transsexuais
travestis
violência
violência psicológica
vlog
vloggers
Gostei do texto, por isso que como leitora de quadrinhos nunca gostei das HQs de heróis, já passou da hora de começarem a olhar e pensar em mulheres de outra forma. ;)
ResponderExcluirTexto muito bom. Parabéns!
ResponderExcluir