quarta-feira, 4 de março de 2015
Quando o Bolsonaro resolver dizer (
O modo de tratamento das mulheres grávidas é algo que me incomoda muito, nossa sociedade é recheada de tabus e hipocrisias, posso dar inúmeros exemplos sobre isso. Vou expor três desses exemplos muito comuns que tem relação com meu comentário inicial:
Fonte: Ensaio fotográfico – Gravidez e Feminismo. Foto
de Julia Zamboni.
1° Exemplo: Independente da personalidade da mulher, quando ela esta grávida ela deve passar um ar angelical, deve se vestir de maneira confortável e sem nenhuma sensualidade ou vulgaridade. Se caso a mulher não siga o padrão, e resolva se vestir de maneira não convencional (que não sejam roupas de grávida), ela é julgada e olhada com olhar torto. Mulher grávida não pode ir na balada, mulher grávida não pode usar roupa curta e "decotão", mulher grávida solteira não pode "sair para pegar na balada", mulher grávida tem que ter um comportamento diferente. O que as pessoas tem que entender é que o ser angelical e inocente é o que se encontra dentro da barriga, e não quem o carrega. Quem o carrega tem uma história, uma personalidade, e já passou da fase da inocência. Não sou hipócrita de dizer que nunca julguei ninguém nessa situação, mas eu vejo problemas maiores em mulheres que fazem mal a criança, por exemplo, bebendo, fumando, tomando remédios fortes e etc.
2° Exemplo: A campanha que esta rolando na internet contra o aborto feito por
mulheres grávidas ou que já engravidaram. Eu li um texto sensacional sobre isso
na página do facebook impulsiva,
não sei de quem é a autoria, mas é exatamente o que eu penso, o texto é o
seguinte:
"Postar seu barrigão de grávida em campanha contra o aborto é uma coisa tão sem noção, sem empatia, sem compreensão, que fico pensando se a pessoa consegue compreender minimamente qual o tipo de situação que leva uma mulher a abortar. Então, eu vou dizer uma coisa que sempre choca as pessoas, porque elas estão acostumadas a achar que o mundo gira ao redor de seus umbigos: ISSO NÃO É SOBRE VOCÊ. Se com dificuldades ou não, sendo apoiada ou não, tendo condições financeiras ou não, você decidiu prosseguir com a sua gravidez, eu lhe parabenizo e desejo a você e a seu bebê toda a felicidade do mundo. Mas não use sua gravidez pra julgar e magoar ainda mais quem já está passando por um momento difícil. Não esfregue sua felicidade na cara de mulheres que precisam lidar com a decisão difícil de interromper uma gravidez, na maioria das vezes sozinhas, sem um ambiente seguro pra conversarem abertamente antes de decidir, sem um ambiente seguro pra realizar o procedimento depois da decisão. Não use sua gravidez como troféu moral, como se a sua decisão de ter um filho fizesse você melhor que uma mulher que não se julga apta psicologicamente, financeiramente, emocionalmente e/ou materialmente para criar um filho. Não faz. Sua gravidez diz respeito a você, pare de usar sua vida como régua pra medir a vida das outras. Acrescente um pouco mais de empatia ao seu olhar, julgue menos as pessoas que você não conhece, perceba que é intromissão na vida alheia SIM quando você quer obrigar por força de lei o que deveria ser uma escolha da vontade e do amor." [Ana Maria]"
Outro post no facebook que eu gostei muito foi da Gaabriela Moura (clic para ler), uma grávida que acredita na discriminação do aborto.
3° Exemplo: A discriminação ainda existente de mulheres que decidem não ter
filhos. Parece que mulheres que decidem não ser mães, são menos mulheres que as
que são. Hoje em dia engravidar é uma decisão muito difícil, pois existe um
dilema sobre profissão e maternidade. Mesmo existindo uma lei sobre a
Discriminação na Gravidez,(Essa lei de
1978 proíbe o tratamento injusto de uma mulher com base na gravidez. As
mulheres têm o direito de buscar e manter o emprego, sem medo de represálias,
se está grávida ou a planear engravidar. Os empregadores têm o dever e a
obrigação de proteger seus empregados contra a discriminação sexual. Isso
também envolve a contratação e/ou liberar um empregado sem que diz respeito à
gravidez, sexo ou condições relacionadas à gravidez.) ainda existe muitas
situações desagradáveis e é muito difícil da mulher lidar. Li sobre
esse dilema em uma reportagem da Veja, de uma edição especial da
mulher:
“A
ativista Margaret Sanger (1879-1966), pioneira do direito feminino de evitar
filhos, uma das mães da pílula anticoncepcional, criou a Liga
Americana de Controle da Natalidade, em 1921, ancorada em uma máxima que
repetia com assiduidade: "Nossas meninas precisam entender que a
maternidade é a mais sagrada das profissões do mundo, e é uma profissão que exige
mais preparação do que qualquer outra destinada às mulheres". Ser mãe,
hoje como antes, dá trabalho – e quase sempre em dupla jornada –, mas a
metáfora do início do século XX envelheceu, e toda mulher sabe que profissão é
outra coisa, é um emprego como o que os homens podem ter. A frase de Sanger,
inspiradora em seu tempo, em 2010 é quase uma aberração. Atualmente,
maternidade e trabalho profissional são expressões que costumam colidir. É um
dos grandes dilemas de nosso tempo, a dura opção entre a maternidade e a
carreira.” (FONSECA,Ana; RODRIGUES, Bruna, 2010)
Tem quem diga que as mulheres hoje ganham o mesmo tanto que os homens, e
é verdade, existem casos, e em geral esses casos são de mulheres que não tem
filhos.
"Mulheres
sem crianças nas grandes empresas dos Estados Unidos ganham quase o mesmo que
os homens em posições similares. As mães com companheiro ganham um pouco menos.
As mães solteiras, muito menos. Convém ressaltar que parte da razão do fosso –
que diminui, porque muitas mulheres já ganham o mesmo que os homens em posições
idênticas – é o avesso do preconceito de gênero. As mulheres costumam ser
julgadas pelo mesmo padrão com o qual se mede a postura masculina, e, nunca é
tarde para lembrar, mães engravidam – pais, não. Talvez fosse melhor ter
critérios diferentes para um e outro grupo." (FONSECA,Ana;
RODRIGUES, Bruna, 2010)
Eu tenho em casa um exemplo de mãe e profissional,
que consegue administrar tudo muito bem. O problema é que existem dois
casos problemáticos, há excelentes profissionais que não são bons pais – e
pais dedicados que não são bons profissionais. O ponto é que, a mulher que
escolhe ser realizada profissionalmente não é menos mulher que a que escolheu
ser realizada maternalmente.
FEMINISMO E MATERNIDADE
O debate da maternidade dentro do feminismo inicia-se em um contexto das
grandes mudanças ocorridas nas sociedades ocidentais pós-segunda guerra
mundial: aceleração da industrialização e da urbanização; inserção crescente
das mulheres no mercado de trabalho; controle da fecundidade com o advento da
contracepção medicalizada (sobretudo a pílula contraceptiva). Antes dos debates
feministas a diferença entre homens e mulheres era a maternidade, Simone de
Beauvoir chega para contradizer esse determinismo biológico ou direito divino.
Ela afirma que: “ser é torna-se” resultando em sua célebre ideia “não se nasce
mulher, mas torna-se mulher”. (Scavone, L.,
2001)
1° Momento
Nesse contexto pós-segunda guerra as forças conservadoras defendiam
a família, moral e os bons costumes, e as feministas defendiam a liberdade
sexual, liberação da prática da contracepção e do aborto. Um dos
elementos radicais desta politização relacionava-se à maternidade, isto é,
refutar o determinismo biológico que reservava às mulheres um destino
social de mães. A maternidade começava, então, a ser compreendida como
uma construção social, que designava o lugar das mulheres na família
e na sociedade, isto é, a causa principal da dominação do sexo masculino
sobre o sexo feminino. A luta pela livre escolha da maternidade
(contracepção livre e gratuita, liberação do aborto) rompia com a premissa
“tota mulier in útero”, que definia a mulher pela maternidade.
A aquisição deste direito era considerada fundamental para liberar as
mulheres do lugar que ocupavam na vida privada, portanto, condição de
liberdade e igualdade sociais. (Scavone, L., 2001)
2° Momento
Entretanto houve a reflexão: “nós (as mulheres) queríamos ser
definidas sem a maternidade? Aceitávamos ser mutiladas de uma parte de
nossa história, de nossa identidade?”. A resposta é Não. A maternidade
passa a ser considerada como um poder insubstituível, o qual só as
mulheres possuem e os homens invejam. Neste momento, a
reflexão feminista também dialoga com as ciências humanas e sociais: em
teses lacanianas, que valorizam o lugar das mulheres na
gestação, lembrando que o cordão umbilical, unindo o feto à mãe, é
fonte de vida e poder; em teses históricas que resgatam a
experiência da maternidade como parte da identidade e poder femininos. (Scavone, L., 2001)
3°Momento
Por fim, chegou-se a conclusão que: não é o fato biológico da reprodução
que determina a posição social das mulheres, mas as relações de dominação que
atribuem um significado social à maternidade. Esta argumentação coincide,
também, com a expansão das Novas Tecnologias Conceptivas, as quais introduzem
na reprodução humana (como todas outras tecnologias reprodutivas) a dúvida
sobre um destino biológico inevitável. (Scavone,
L., 2001)
“Em suma, a definição
teórica destes três momentos é reveladora de uma prática social – a maternidade
– com todas suas contradições, mudanças e permanências. A recusa ou aceitação
da maternidade pode acontecer, ao mesmo tempo, em espaços e posições sociais
diferenciadas e não estão, necessariamente, ancoradas na idéia do handicap.
Apesar da crítica feminista ter partido da constatação da diferença biológica
entre os sexos, considerando-a um defeito, ela acaba mostrando que a dominação
de um sexo sobre o outro só pode ser explicada social e não biologicamente.” (Scavone, L., 2001)
Entre o modelo reduzido de maternidade com uma variedade crescente de
tipos de mães (mães donas de casa, mães chefes-de-família, mães "produção
independente", "casais igualitários") e as diversas soluções
encontradas para os cuidados das crianças (escolas com tempo integral, creches
públicas, babás, escolinhas especializadas, vizinhas que dão uma olhadinha,
crianças entregues a seus próprios cuidados, avós solícitos), a maternidade vai
se transformando, seguindo tanto as pressões demográficas - natalistas ou
controlistas - como as diferentes pressões feministas e os desejos de cada
mulher. (Scavone, L., 2001)
CONCLUSÃO
Hoje, mesmo depois de todo esse processo, ainda existem muitos problemas
sobre a construção social da maternidade. Ainda hoje tem quem diga que
adolescente que engravida é vagabunda, que mulher tem que se cuidar, que mulher
que engravida de propósito é golpista, ser mãe solteira é uma vergonha,
grávidas não podem se divertir e ir pra balada e etc. Além do preconceito e do
grande peso de julgamentos. Por isso quando você diz que uma mulher
grávida, com todo cuidado e aval do médico, não pode desfilar na escola de
samba no carnaval, você esta apenas reforçando essa construção social machista
e ofensiva, que desvaloriza a mulher. Será que o discurso do Bolsonaro foi tão
absurdo assim, perante a realidade do mundo? E toda essa gama de
negatividade acaba por diminuir um puta momento lindo e forte na vida da
mulher. Apenas as mulheres sabem como elas sofrem pra manter o barrigão e ainda
sair por aí pisando firme.
![](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_vgpMgJ-bJriffF9TEmulUSYguvrj5Z4FN52w-K1A6q8buct7lrGTfkrsEadNA7s6nz5-PxPxu7JG3TCwxWuxmfelVh_BGpAABv2-fjZWuwsoCZ6ckUoiKGXOpxy5iLbOJQC_Iq4IDD6KasQ8igCCaNAdKH3j_VhqNrY2_kdoHkJ8bk4WVFQ8i_hsDt=s0-d)
Fonte: http://blog.publivideo.com.br/?m=201209
_________________________
REFERÊNCIAS
FONSECA,Ana; RODRIGUES, Bruna, Ser mãe não é profissão, revista Veja,
maio 2010. Disponível em: http://veja.abril.com.br/especiais/mulher/ser-mae-nao-profissao-p-024.html
LIMA, Tatiana, Bolsonaro diz ser “injusto” salário igual para mulheres e
homens, Palavra Operária,23 fev. 2015. Disponível em:
http://www.palavraoperaria.org/Bolsonaro-diz-ser-injusto-salario-igual-para-mulheres-e-homens
ILOVATTE, Nathalia, Grávidas em escolas de samba são alvos de críticas
nas redes sociais: “Depois querem prioridade na fila do banco”, R7, 19 fev.
2015. Disponível em: http://entretenimento.r7.com/mulher/gravidas-em-escolas-de-samba-sao-alvos-de-criticas-nas-redes-sociais-depois-querem-prioridade-na-fila-do-banco-19022015
Scavone, L. A maternidade e o feminismo: diálogo
com as ciências sociais. Cadernos Pagu, 2001, no.16, p.137-150.
Scavone, L. Maternidade: transformações na família e nas relações de gênero. Interface (Botucatu), Fev 2001, vol.5, no.8, p.47-59.
Ps: Inspirada em alguns posts do facebook da @tchulimtchulim
(Ana Carolina Rocha)
Marcadores:construção social,feminismo,globeleza,gravidez
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