sexta-feira, 25 de setembro de 2015
Relacionamento abusivo é um tema
muito controverso. É comum ouvir mulheres dizendo coisas como “Ah, eu nunca
entraria nesse tipo de situação” ou “Eu nunca deixaria um homem me tratar
assim” – mas estas são as que nunca vivenciaram um relacionamento abusivo. Não
estou dizendo que não existem mulheres que de fato o superariam, mas estas são
poucas. O que acontece na maioria das vezes é que a pessoa simplesmente não
percebe o que está acontecendo, e quando se dá conta, é tarde demais para
livrar-se facilmente.
“Amor Amargo”, de Jennifer Brown,
conta a história de um relacionamento abusivo desde o seu princípio. Alex, a
protagonista, é uma menina que sempre foi atormentada pelos fantasmas de seu
passado – a mãe morreu quando ela era muito jovem e um mistério paira sobre as
circunstâncias de sua morte. Junto de seus dois melhores amigos, Zach e
Bethany, ela programa uma viagem para o Colorado, o lugar onde aconteceu o
acidente de carro que matou sua mãe. Alex também sente um vazio na relação que
desenvolveu com o pai após o incidente, já que ele desenvolveu algum tipo de
trauma que o afastou emocionalmente das filhas.
O livro se passa no último ano do
colégio, e os três amigos estão cada vez mais empolgados para a viagem ao
Colorado que farão depois da formatura. Neste contexto, chega um novo aluno na
escola, e começa a ter aulas particulares com Alex. Eles começam a se envolver,
e para a protagonista, ele é a melhor coisa que poderia acontecer na vida dela
– Cole é lindo, simpático, parece realmente gostar dela e principalmente,
consegue a entender, coisa que nem os
amigos parecem saber fazer algumas vezes.
O problema é que o garoto começa
a se incomodar com a amizade de Alex com Zach, e demonstra um ciúme precoce.
Nas palavras dele, “Não admito dividi-la
com mais ninguém”. Para a protagonista, isso é fofo, um ato de carinho, a
prova de que ele realmente gosta
dela. Extremamente comum em relacionamentos abusivos, o ciúme é usado como
prova de amor, quando na verdade é só um instrumento para afastar a vítima das
pessoas que a circundam. E é exatamente
isso que acontece – lentamente, Cole consegue afastar os amigos de Alex,
ora atacando Zach – verbal e fisicamente – ora fazendo comentários absurdos
sobre Bethany. O garoto repete tantas e tantas vezes suas teorias sem sentido que
Alex começa a se distanciar dos melhores amigos. O resultado disto é que a
garota fica sozinha, e seu mundo começa a girar em volta do namorado.
Podemos observar o clássico ciclo
da violência doméstica neste livro. Ele se consiste em:
1. aumento de tensão: as tensões
acumuladas no quotidiano, as injúrias e as ameaças tecidas pelo agressor,
criam, na vítima, uma sensação de perigo eminente.
2. ataque violento: o agressor maltrata
física e psicologicamente a vítima; estes maus-tratos tendem a escalar na sua
frequência e intensidade.
3. lua-de-mel: o agressor envolve
agora a vítima de carinho e atenções, desculpando-se pelas agressões e
prometendo mudar (nunca mais voltará a exercer violência).
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNC5Vk991AY-QL_9tRqvjn4wvfFzAKg0C3X5DerYwilWVTYWlxTI4GnK1yE9pQCiBsdIwWbd1czvGF1IQ2kvEDFlzdBqb07uIdje7x3udC5ypjMidsljzChJxOO3cwC0OBk7wjH_-8vRc/s320/687474703a2f2f7777772e736f6d65706c616365736166652e6f72672f696d616765732f41627573654861734e6f506c616365496e4c6f76652e6a7067.jpg)
Ao mesmo tempo, a protagonista não conseguia pedir ajuda.
Como o livro é narrado em primeira pessoa, torna-se muito mais fácil entender
os motivos que levam uma pessoa a não conseguir sair facilmente de uma relação abusiva.
No caso de Alex, ela explica: “Eu estava
morrendo de vergonha. Não conseguia nem me imaginar contando aquilo para
alguém. Aquilo me fazia parecer idiota, ingênua, e carente, e eu sabia que não
era nenhuma dessas coisas. Sabia que a explicação não era tão simples. Mas
ninguém mais entenderia.” Ela tinha medo das proporções que a notícia iria
tomar, imaginou o que as pessoas pensariam dela, a reação da família e até
mesmo as consequências que aquilo provocaria na vida de seu namorado.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhah25Q1FuGaTp21i-PN9tUh8FgNQq3OZvB_Ol8XdU2SIxrqo_6OQraA8_TW3Z6P_usNZvxMigj4eVGYD2nI4jRarkVbbjkOpafZUD7NKhIQDEWdwTI3tTCEAiQluGijYNNabMKkoToPRM/s320/Abusive-Relationships.jpg)
John
Shore (2010) cita em seu livro ”Seven Reasons Women Stay in Abusive Relationships
and How To Defeat Each One of Them” sete motivos pelos quais
mulheres continuam em relações abusivas.
- 1º Motivo: o medo de ser ela mesma; a mulher recria a sua vida em
volta do companheiro, e tem medo de perder a sua identidade se o perder
também.
- 2º Motivo: a dúvida em saber o que virá em seguida; Sem o parceiro,
o que será dela, econômica e psicologicamente?
- 3º Motivo: medo do que as pessoas pensarão
dela; parece bobo, mas isto atormenta terrivelmente algumas mulheres –
tome como exemplo a Alex, protagonista de “Amor Amargo”
- 4º Motivo: pressão da família. A mulher sente que deve ser que nem
seus pais, e que o segredo da vida é ter um casamento aparentemente
bem-sucedido.
- 5º Motivo: o amor que ela sente pela pessoa. O amor é irracional,
às vezes. Ela se convence de que ele a ama, e que é violento só “de vez em
quando”
- 6º Motivo: achar que o parceiro só é violento ás vezes, que aquilo não o qualifica como pessoal. Neste caso, a mulher se vê constantemente como a culpada. O homem não é assim, ela é que provoca aquele tipo de reação nele.
- 7º Motivo: o parceiro se mostra “arrependido”. Pede desculpas toda vez, fala que vai mudar. E ela acredita.
Existem várias maneiras de se
livrar de um relacionamento abusivo, e nenhuma delas é simples. Exige esforço
por parte da vítima, mas também compreensão de sua família e amigos. Ás vezes é
necessário a intervenção de terceiros, por meio de denúncias ou enfrentamentos.
No importanto, o mais importante é não ocorrer a
culpabilização da vítima. Ela nunca quis que nenhum abuso ocorresse,
simplesmente está presa em uma situação na qual não vê uma saída. É importante
também parar de usar frases como “Ah, comigo isto nunca ia acontecer!”. Porque
você não sabe... Pode não acontecer da maneira como todos imaginam, o opressor
pode não te abusar fisicamente, mas sim psicologicamente. Pode te colocar em
uma situação de onde você não vê uma escapatória.
Mas ela existe, sim. Além das
supracitadas, vítimas podem ligar gratuitamente para o número 180, a Central de
Atendimento à Mulher, ou visitar (de preferência, acompanhada de um amigo ou
familiar) a Delegacia de Defesa da Mulher de sua cidade.
Referências:
Referências:
APAV.
Violência Doméstica. Disponível em: <http://apav.pt/vd/index.php/vd/o-ciclo-da-violencia-domesticahttp://apav.pt/vd/index.php/vd/o-ciclo-da-violencia-domestica>
SHORE, John. Seven Reasons Women Stay in Abusive
Relationships and How To Defeat Each One of Them. San Diego: Amazon,
2010.
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