domingo, 8 de novembro de 2015
Por Bárbara Martins
No
dia 31 de outubro, Karina Moreno, estudante de Medicina Veterinária em Campinas,
fez uma publicação em sua rede social onde, de maneira bem ignorante, exibia e
comentava sobre a foto de uma mulher amamentando a filha enquanto andava de
bicicleta. No conteúdo desse post ela usou frases do tipo: "POBRE FAZENDO POBRICE! Vai em um bairro nobre, ou em um
restaurante fino pra vc ver se encontra mulher com o peito pra fora?! Kkkk
(...) JAMAIS! Elas levam mamadeira! Como eu fazia! Ou no mínimo colocam uma
fraldinha pra tapar o peito! Isso se chama BOM SENSO!". Gente, é sério
isso? Eu realmente não consigo saber em qual parte eu fico mais chocada, se é o
preconceito explícito por uma classe social diferente da dela ou se é pela
vergonha que ela tem do próprio corpo e acha que todas devem ter também em
sinal de um determinado "bom senso". Karina, Karina.. Somos todos
mamíferos. Amamentar é nada mais nada menos que um ato natural que transcende a
sua ignorância. O chique é ser livre! Isso sim é lindo! E pobre é você ter esse
tipo de perturbação, mas enfim.. Como se já não bastasse, ela ainda falou: "Eu nunca amamentei meu filho e ele é
lindo e saudável! O NAN hj em dia é completamente igual ao leite materno em
questão de nutrição!" Oi?!?! Poxa, amiga, assim não dá pra te ajudar.
Você, como uma estudante de medicina veterinária, deveria saber os benefícios
da amamentação e saber que nenhum alimento artificial consegue substituí-lo.
Tanto que, em prol dessa ideia, o Governo Federal restringiu a publicidade de produtos que interferem na amamentação, como, por exemplo, mamadeiras, chupetas e leites artificiais (isso mesmo, o seu tão querido NAN). A Lei nº 11.265 foi divulgada pelo Ministério da Saúde
acompanhada da nota: "Queremos
assegurar que todas as crianças sejam amamentadas sempre que possível e
orientar mães e pais sobre a importância do aleitamento para a saúde de seus
filhos. Cerca de seis milhões de crianças são salvas em todo o mundo com o
aumento das taxas de amamentação, segundo a Organização das Nações Unidas.
Estamos salvando vidas ao orientas, proteger e incentivas o aleitamento
materno". (PORTAL SAUDE, 2015)
Essa
infeliz publicação gerou uma avalanche de solidariedade feminina nas redes
sociais, onde, mulheres sensibilizadas pela situação, postaram fotos com a
hashtag #pobrefazendopobrice amamentando seus filhos.
Dentre
os vários feedbacks gerados pelo post da Karina, um dos que mais me chamou a
atenção foi o que a doula Mariana de Mesquita postou em seu facebook. Ela
replicou lindamente cada questão levantada por Karina. Por exemplo, quando a
estudante disse que "essa história de amamentação é programa de incentivo
do governo para fazer as coitadas das pobres virarem umas vacas leiteiras e
ficar amamentando até 2 anos de idade! Economia pro governo! Imagina se toda a
pobraiada que se empenca de filhos resolvessem dar NAN para toda a sua penca? O
governo tava lascado! Eles incentivam amamentação e cada uma que se vire com os
peitos mesmo..." (sim, ela disse isso tudo), a Mariana de Mesquita disse
que a Karina acertou em cheio, pois:
"se todo mundo der leite artificial o governo gastará muito mais, só que para consertar o estrago depois: mais doenças sazonais, respiratórias, diabetes, desnutrição ou má nutrição, problemas ortodônticos, posturais, digestivos, dificuldade de aprendizado, maior probabilidade de desenvolver autismo, transtornos alimentares, depressão, ansiedade, bipolaridade, dificuldade de estabelecer vínculo, e aí sim, MILHÕES E MILHÕES GASTOS PELO GOVERNO! A pobraiada deve amamentar em livre demanda sim e a ricaiada também, por que não é a conta bancária que muda seu DNA e te torna um X-Men".
Atitudes
e pensamentos iguais aos da Karina são resultados da cultura machista a qual a
nossa sociedade está inserida, onde, através da objetificação e
hipersexualização do corpo feminino, se tem a ideia de erotização da
amamentação. Nesse ambiental patriarcal, a mulher é subjugada em dois extremos,
o primeiro seria a de pura e santa, e o segundo a de safada e sem valor. A
maternidade faz com que a mulher se enquadre na categoria de santa, onde não se
deve vestir certos tipos de roupas, deve se portar de maneira aceitável pela
sociedade e totalmente inferior ao papel paternal do marido. Tal conceito é
difundido por Ferrand e Langevin (De I'origine de I'oppression...1990) onde
eles analisam a maternidade como o meio de desigualdade entre os sexos. No
primeiro momento a maternidade é dada pelo handicap
(defeito natural), o que leva as mulheres a buscarem o seu valor e poder
através da escolha da não maternidade, marcado pela corrente do feminismo igualitário. Já o segundo
momento é denominado pela "negação
do handicap", onde as mulheres reconhecem o poder da maternidade e
querem exercê-lo, pois isso as faz serem mais poderosas que os homens, com tal
processo marcado pela corrente do feminismo
diferencialista. Porém, em um terceiro momento, Ferrand e Langevin
reconhecem a "desconstrução do
handicap natural", onde se tem a ideia de que a posição social das
mulheres não se deve ao fato biológico, e sim às relações de dominação que
exercem um significado social à sua maternidade. Ou seja, apesar da crítica
feminista ser originada pela diferença biológica entre os sexos, na verdade
essa dominação de um sexo sobre o outro está no papel social que cada gênero
possui.
Se as mulheres desde sempre são tidas como submissas aos
homens, impossibilitadas de exercer poderes por eles concedidos, atualmente
essa sombra da sociedade patriarcal se torna cada vez mais visível em atos
corriqueiros, assim como a declaração da estudante Karina. O que me incomoda é:
qual o motivo da amamentação ser tratada como uma atitude não natural,
constrangedora e até mesmo vergonhosa? Porém, enquanto uns defendem o "bom
senso" pensado igualmente por Karina, outros comemoram a aprovação do projeto de lei 414 pela Assembleia Legislativa de São Paulo no começo desse mês. De acordo com esse projeto de lei, que só entrará em vigor depois da
sanção e regulamentação do governador Geraldo Alckmin (PSDB), é garantida à
criança o direito ao aleitamento materno em estabelecimentos públicos e
privados. Dessa maneira, o estabelecimento que impedir ou constranger a mãe de
amamentar em público deverá pagar uma multa referente a R$ 500,00. O triste
mesmo é a prática do machismo tornar necessária a criação de uma lei como essa,
que garante às mulheres algo que já deveria ser tratado de forma natural. O
autor do projeto da lei 414, Carlos Bezerra Jr (PSDB) ainda defende: "O
projeto garante às mães a liberdade de amamentar onde quiserem. Isso, por si
só, além de garantir a liberdade, estimula a amamentação. Todos nós sabemos a
importância desse gesto, desse ato. Ele também, sem dúvida nenhuma, trará
impacto cultural importantíssimo não apenas a São Paulo, mas também a todo o
país, no sentido de uma mudança de olhar daqueles que ainda, em pleno século
21, se sentem incomodados com o fato de uma mãe estar amamentando em local
público". (G1, GLOBO, 2015)
Em resposta a essa ignorância à amamentação, ocorrem em
várias cidades do Brasil encontros de mulheres que praticam e defendem a
amamentação em lugares públicos, o famoso movimento denominado
"Mamaço". Esse movimento é importante ao passo que dá força às
mulheres que já passaram por algum tipo de constrangimento relacionado à
amamentação, mostrando que elas não estão cometendo nenhum atentado ao pudor e
nem infringindo nenhuma regra ao alimentarem os seus filhos.
Tendo em
vista essas questões a resPEITO da amamentação, vamos largar esse moralismo
externo ainda presente na nossa sociedade e encarar esse momento tão
divino como realmente deve ser encarado!
FERRAND, M.
e Langevin, A. De I'origine de
I'oppression des femmes aux "fondements" des rapports sociaux de sexe.
In: BATTAGLIOLA et alii. (org). A propos des rapports sociaux/ parcours épistémologiques.
Paris, Centre Sociologie Urbaine/CNRS, 1990, pp.17-76.
SPERANDIO,
Isabela. Avalanche de "pobres
fazendo pobrice", 06/11/2015. Disponível em < http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/05/politica/1446747289_116304.html>
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