quinta-feira, 19 de março de 2015

Texto de Bruna Corrêa



Não tenho vergonha de admitir que tenho muitos vícios – eles foram se acumulando com os anos e de alguns não consigo me livrar. Dentre esses, o que me ocupa mais tempo de vida útil é definitivamente o vício por cultura e conhecimento pop – poucas coisas me dão mais prazer que ficar horas olhando sites de conteúdo aparentemente inútil. 
Portanto, estava lá eu fazendo minha checagem diária no feed do site Omelete quando uma reportagem me chama a atenção. Aqui você pode vê-la na íntegra, mas se trata basicamente de uma capa ultra-provocativa da Spider-Woman, heroína da Marvel Comics, cujo teor sexual foi altamente criticado pelos leitores. Uma semana depois a editora emitiu um pedido oficial de desculpas, defendendo-se com o argumento de que parte de suas HQs e o staff da própria empresa eram compostos por mulheres e que portanto não se considerava machista (mas vamos combinar que ninguém se “considera” machista, né?).

Depois de tanta polêmica, foi um espanto descobrir que eu não achava nada “demais” nessa capa especial. Pensando um pouco mais, cheguei à conclusão que o problema não era exatamente eu – e sim os anos de exposição à esse tipo de material nas HQs e desenhos de quadrinhos dos estúdios Marvel e DC Comics.


Uma perspectiva histórica

Em 1941, algo importantíssimo acontecia no mercado editorial: o psicólogo William Moulton Marston (9 de Maio,1893 – 2 de Maio, 1947) criava a Mulher-Maravilha, primeira super-heroína a aparecer em um quadrinho da DC Comics. Inovador a princípio, o conceito logo se provou uma falácia – ela era ali mero fantoche e motivo de desejo e incitação para os homens.

Ao longo do tempo, várias heroínas começaram a aparecer. A Mulher Invisível (1961), Jean Grey (1963) e Viúva Negra (1964) foram algumas das primeiras mulheres presentes em HQs da Marvel, assim como a Canário Negro (1947), Supergirl (1958) e Zatanna (1964) estiveram presentes e obtiveram algum sucesso na DC Comics. Mas era assim: os quadrinhos solos de personagens femininas não atingiam nem metade do percentual de lucro que os quadrinhos majoritariamente masculinos. É claro que elas faziam sucesso, mas desde que estivessem num contexto masculino e obviamente hipersexualizadas. Além disso, nunca levavam o crédito pelas conquistas e eram frequentemente figurantes cujo único objetivo era favorecer a masturbação dos meninos que liam essas HQs – elas não possuíam personalidade nem pensamentos elaborados, mas ficavam super bem em um maiô apertadinho que não deixava muita coisa para a imaginação.
Os tempos mudaram e o pensamento da população foi lentamente se adaptando. No entanto, os quadrinhos continuaram com a mesma ideia de objetificação da mulher: super-heroínas com corpos impossivelmente maravilhosos, em poses dificilmente aplicáveis 

(Brokeback é o termo utilizado para esse tipo de posição onde se "quebra" a coluna da personagem para mostrar tanto os seios quanto a sua bunda. Para mais exemplos, clique aqui).

 Adriana Melo, famosa colorista brasileira, comenta e traz um questionamento importante: “A desculpa dos editores é dizer que o público foco dessas HQs são homens, pois eles são os maiores consumidores de quadrinhos. Será que isso é verdade?”. Pois bem, não é verdade, felizmente. De acordo com pesquisas, 46,7% dos leitores de HQs nos Estados Unidos são constituídos de mulheres.
No entanto, até elas preferem os quadrinhos masculinos. Dificilmente uma mulher da nossa geração vai ter desejo de ler algo que torna uma mulher burra e submissa, além de totalmente fora da realidade. Pensando nisso, a DC deu um reboot em seus quadrinhos: com os “Novos 52”, a editora conseguiu revitalizar a personagem Batgirl, e transformá-la em uma adolescente descolada com roupas não sexualizadas. A Marvel ainda foi mais radical e mudou não só o estilo extremamente sexual de algumas personagens (tipo a Capitã Marvel) como trocou etnias (A Miss Marvel agora é muçulmana!).

As Meninas Super Poderosas: O que elas têm a ver com a história?


O Diretório Acadêmico de Relações Internacionais da PUC agora possui uma televisão com Netflix, ou seja, é a perdição do pessoal. Alguns dias atrás eu estava lá conversando com os meninos e nós tivemos a ideia de assistir The Powerpuff Girls (ou As Meninas Super Poderosas, como preferir) e ficamos lá assistindo, até que chegou um garoto e falou “É, esse desenho é o mais feminista que existe”. A partir do comentário dele eu passei a prestar atenção e era realmente isso, cada coisinha naquela animação passa a mensagem do feminismo.
Se você parar para pensar, a Docinho, Florzinha e Lindinha são super heroínas extremamente capazes e fodas. Elas têm poderes que vão da habilidade de correr na velocidade da luz à capacidade de lançar raios pelos olhos, e não é o fato de elas serem menininhas fofas que as diminuí em questão de super poderes. No quinto episódio da quarta temporada elas chegam até a vencer, em uma competição, os integrantes da Liga de Super Heróis - que é machista (e eles usam esse termo no desenho) e composta só por homens “fortes e viris.
Me surpreende que um desenho feito para crianças tenha conseguido passar em cerca de 7 anos de duração o que mais de 60 anos de HQs não conseguiram atingir. Claro, há o argumento de que os públicos são diferentes e portanto, o conteúdo jovem adulto, new adult e adulto deve ser diferenciado e mais sensual. No entanto, Kelly Thompson, especialista em hipersexualização de mulheres em quadrinhos, ressalta que: "É importante lembrar que a idealização da forma não é o mesmo que a sexualização da forma. Algo pode ser idealizado sem ser sexualizado”. Eu concordo com ela, e acho que as táticas no estilo Brokeback são extremamente exageradas.
           Haverá pessoas que vão refutar meus argumentos e falar que o papel das heroínas é de mesmo peso que os dos heróis, e que eles também são objetificados. Por vários motivos que já falei aqui, é fato que as mulheres são e foram prejudicadas e ainda continuarão sendo por um bom tempo – mas é bom saber que medidas estão sendo tomadas para que essa prática seja reduzida, e espero que num futuro próximo os escritores e editores pensem num enredo cativante, e não em uma bunda e peitos duros.



BIBLIOGRAFIA:


ABRÃAO, Jose. Precisamos falar sobre peitos e quadrinhos. Judão. Link: http://judao.com.br/precisamos-falar-sobre-peitos/#.VQuw4eGIWL0

HESSEL, Marcelo. Mulher-Aranha | Marvel se desculpa pela capa de Milo Manara. Omelete. Link: http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/noticia/mulher-aranha-marvel-se-desculpa-pela-capa-de-milo-manara/

HUDSON, Laura. The Big Sexy Problem with Superheroines and Their ‘Liberated Sexuality’. Comics Alliance Link: http://comicsalliance.com/starfire-catwoman-sex-superheroine/

QUINN, Benn. Ker-pow! Women kick back against comic-book sexism. The Guardian. Link: http://www.theguardian.com/books/2011/dec/28/women-comic-book-sexism 

RODRIGUES, Julia. Quadrinhos para quem? Revista Maçaneta. Link: http://www.revistamacaneta.com.br/conteudo/cultura-pop/quadrinhos-para-quem

THOMPSON, Kelly. She has no head – No, it’s not equal! Comic Book Resources. Link: http://goodcomics.comicbookresources.com/2012/02/21/she-has-no-head-no-its-not-equal/


2 comentários:

  1. Gostei do texto, por isso que como leitora de quadrinhos nunca gostei das HQs de heróis, já passou da hora de começarem a olhar e pensar em mulheres de outra forma. ;)

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