domingo, 27 de setembro de 2015
Por Bruna Corrêa


Ambientado na década de 60 em Jackson, Mississipi (EUA), “A Resposta” é um livro que não somente fala sobre raça, mas também sobre a coragem que existe dentro de cada um de nós. É dividido em capítulos narrados sobre a perspectiva de três personagens distintas, cada uma com suas características peculiares e todas muito bem construídas. Conhecemos Aibileen, uma empregada doméstica negra que ama cuidar das crianças de seus patrões brancos. Srta. Skeeter é uma recém-formada jornalista de pele clara e rica, amiga das mulheres que pertencem à alta sociedade daquela cidade, mas que não concorda com as atitudes que estas mantêm com quem trabalha para elas. Skeeter faz uma proposta inusitada para Aibileen: contar a vida cotidiana de Jackson, Mississipi, pela visão de empregadas domésticas. Com medo das consequências de tal atitude, Aibileen nega a princípio, mas depois aceita e começa a incentivar outras empregadas a contribuírem com os relatos do livro. Minny, sua melhor amiga, é a primeira a aceitar e o faz no início muito a contragosto – ela é uma mulher que não possui papas na língua, o que a levou a ser demitida por várias famílias brancas.



“A Resposta” possui várias outras histórias unidas pelo pano de fundo do preconceito racial, costuradas magistralmente pela autora de modo a formar um relato chocante, mas consistente da época. Vale dizer que o Sul dos Estados Unidos tem uma herança histórica bem complicada relacionada ao conservadorismo político e social – passados quase cem anos desde o fim da Guerra da Secessão, e, portanto, da promulgação da 13ª Emenda à Constituição Americana (esta que declarou o fim da escravidão) ainda podia-se notar uma divisão entre as raças, uma marginalização gritante dos negros. Isso se dava principalmente devido à falta de leis antidiscriminatórias nos estados do Sul americano. Muito pelo contrário, havia leis que impunham a segregação nos ambientes sociais e cotidianos – chamadas “Leis de Jim Crow”, em vigor entre 1876 e 1965, elas promulgavam:

  • Deverá haver escolas separadas para brancos e negros;
  • Qualquer indivíduo que realizar divulgação, por algum meio de comunicação, de opiniões a favor da igualdade entre negros e brancos ou do casamento inter-racial, deve ser preso por até seis meses ou pagar uma quantia de no máximo quinhentos mil dólares;
  • O casamento entre uma pessoa branca e outra que apresente 1/8 de sangue negro ou mais é proibido e deve ser invalidado;
  • Hospitais deverão ter áreas específicas para negros e brancos, sendo que a porta de entrada de ambos deverá ser separada;
  • Prisões deverão ter todos os seus ambientes separados por cor, incluindo o refeitório;

Embora tenha foco nos preconceitos sofridos pelas empregadas domésticas, o livro pincela vários momentos importantes para o Movimento dos Direitos Civis dos Estados Unidos da América. Ataques aos negros são noticiados constantemente, alguns realizados pela organização racista Ku Klux Klan; em um momento, é noticiado o caso de James Meredith, o primeiro negro a tentar se matricular na Universidade do Mississipi. Ele é impedido pelos estudantes brancos e é preciso que JFK, o presidente da época, envie o auxílio da Guarda Nacional para garantir a sua matrícula. Vários outros casos fazem parte da pauta da conversa entre Aibileen e Minny, como a menção à Rosa Parks, negra que se negou a ceder o seu lugar no ônibus para um branco, e as várias vezes em que negros tentaram frequentar bares para brancos e foram repudiados.   
A divisão de banheiros para negros e brancos é outro tópico que é abordado constantemente no livro. Hilly Holbrook, a grande vilã de “A Resposta”, é presidente da Liga Júnior de Jackson, ficando responsável por cuidar das arrecadações para uma organização chamada “Pobres Crianças Famintas da África”. Em contrapartida, ela tenta implementar o que chama de “Projeto de Higiene para Empregadas Domésticas”, que consiste basicamente da criação de banheiros especiais para as empregadas, alegando que as doenças de negros e brancos são diferentes e que o uso do mesmo sanitário levaria à contaminação de uma raça pela outra. Apesar do teor obviamente racista, ela tenta justificar com o argumento de que este projeto seria também em prol das negras, já que tal medida as protegeria também.

Hilly Holbrook é uma personagem totalmente detestável. Uma das poucas características que a redimem é sua completa devoção aos filhos – particularidade que falta a Elizabeth Leefolt, que é, também, a patroa de Aibileen. Estas duas mulheres são, a princípio, as melhores amigas de Skeeter – situação que lentamente vai mudando conforme o livro se desenvolve. O cast de personagens femininas neste livro é muito interessante – a participação masculina é irrisória, os homens são meramente citados ou senão fazem poucas aparições, como Stuart, interesse amoroso de Skeeter, e Johnny Foote, esposo de Celia Foote. No entanto, isto não exclui o peso dos homens neste livro, afinal estamos falando da década de 60 dos EUA, onde o machismo era gritante.
Por exemplo, quando Skeeter vai procurar o seu primeiro emprego, logo no início do livro, ela nota que a parte do jornal dedicada aos empregos masculinos era longa, enquanto a feminina se consistia em apenas uma pequena parte. Mas óbvio que seria assim – mulheres não costumavam trabalhar. Pelo menos, não mulheres de classe média ou alta. Elas eram criadas para casar – estudavam, e tudo mais, mas existia uma enorme pressão por parte da família para a garota “fisgar” um rapaz. No caso, Skeeter já é considerada uma solteirona; afinal, concluiu sua faculdade e nunca sequer teve um namorado, no auge de seus 23 anos. A pressão social, então, é terrível – sua mãe fica constantemente a criticando por seu cabelo, altura e seus modos, e suas amigas de certa forma sentem pena por ela.
Celia Foote, embora bonita e amável, é considerada “lixo branco”, porque veio de um ambiente pobre e não tem “classe”. Ela é a patroa de Minny, e desconhece os limites impostos pela sociedade, no que se refere à relação entre negros e brancos. Minny fica completamente confusa pelas atitudes de Dona Celia, se perguntando se a mulher é louca ou simplesmente estúpida. Ela fica com a última opção.

Porém, temos uma relação entre chão e teto aqui. O teto se referiria às mulheres brancas, e o chão, às mulheres negras. Embora todas elas sejam mulheres, há uma diferenciação de raça que se sobrepõe a de gênero. Uma mulher branca, no contexto da época onde o livro se passa, não poderia ter a gama de problemas que uma negra poderia passar – isto porque a lei e a sociedade sempre a colocaria em detrimento de uma branca.
Minny vive um relacionamento abusivo com seu marido Leroy. Na situação dela, com cinco filhos para criar e um salário irrisório, a chance de se divorciar é quase nula. Neste post aqui eu falo sobre os motivos de uma mulher continuar em uma relação opressora, e como falei, a mulher nem sempre pode sair de uma situação assim facilmente, e isto não quer dizer que ela seja fraca. Minny é uma personagem de opiniões e discurso fortes, mas em sua intimidade não consegue evitar o seu marido. Acontece.
Tenho de comentar o quanto amei essas mulheres –Amei o jeito esquisito de Skeeter, a língua afiada de Minny, a bondade e fragilidade de Celia. Mas me apaixonei principalmente Aibileen. Sua coragem, sua força de vontade, e principalmente sua maternidade aflorada faziam com que meu coração se derretesse a cada capítulo narrado por ela.
Este foi um dos melhores livros que li na vida. É de uma simplicidade e riqueza que se contrastam e fazem a leitura fluir de modo delicioso... Como já falei, as personagens são muito bem construídas, nos permitindo uma identificação que ultrapassa tempo e raça. Se eu dei a entender que a história é muito dramática, adiciono: realmente tem drama, mas também existem partes divertidíssimas que me fizeram rolar de rir.
O filme, chamado de “Histórias Cruzadas” ou “The Help” (nunca irei entender a confusão que as editoras/agências de publicidade fizeram com os títulos desta obra) é muito bom, também. Embora diferente do livro em alguns aspectos, compensa pelas excelentes atuações. De todo modo, a história nos mostra algo que um sábio uma vez falou: “A felicidade pode ser encontrada mesmo nas horas mais sombrias, se a pessoa se lembrar de acender a luz”.

Referências:
Examples of Jim Crow’s Laws. The Jackson Sun. 2001. Jackson, Mississipi. Disponível em: <http://www.ferris.edu/news/jimcrow/links/misclink/examples/homepage.htm>
Mississipi: A place apart. American Radio Works. 2015. Los Angeles. Disponível em: <http://americanradioworks.publicradio.org/features/mississippi/a1.html>

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